Vicente é um fazendeiro colombiano de 50 anos de idade que vive numa cidade de cerca de 5 000 habitantes, a cerca de 240 quilômetros de Bogotá. É uma cidade onde nada se faz ou se fala sem a autorização do comandante de uma tropa se “guerrillas” das FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Vicente possui 10 hectares de terras perto da cidade. Estamos ocultando o verdadeiro nome de Vicente e o nome da cidade e do departamento onde ele mora, para evitar represálias contra ele e sua família. Igualmente não revelaremos dos detalhes de como Vicente nos contou a história de sua vida, que apresentamos a seguir.
“Sou pai de oito filhos, dos quais quatro já morreram e dois estão desaparecidos, não sei nem se estão vivos ou mortos. Vou falar primeiro desses dois. Certo dia, várias pessoas que se auto denominavam “guerrillas” entraram em minhas terras e foram falar comigo. Disseram que eu tinha que entregar a eles 4 milhões de pesos para ajudar a financiar a “causa”. Eu disse a eles que não tinha dinheiro, pois era um fazendeiro pobre. Então ameaçaram queimar minha casa e minha fazenda caso eu não conseguisse essa quantia, e isso já acontecera com um meu vizinho que teve que fugir para Bogotá e hoje pede esmolas nas ruas.
Voltaram no dia seguinte para apanhar o dinheiro. Dessa vez estavam armados com fuzis e revólveres. Eram quinze. Mandaram que eu preparasse comida para eles. Tive que matar cinco galinhas. Então disseram que eu tinha uma alternativa, já que descobriram que eu não tinha o dinheiro. Eu deveria dar meu filho mais velho para prestar “serviço militar” nas FARC. Ele tinha só 13 anos, mas me ajudava muito na fazenda. Eu disse a eles que ele era o meu melhor ajudante e não queria perdê-lo.
Então, nos colocaram todos contra uma parede da minha casa. O líder gritou: “Preparar, apontar, fogo!” Ouvimos prepararem as armas esperávamos a morte, mas eles atiraram para o ar. Então o líder falou: “Amanhã voltaremos para saber sua decisão.” Então meu filho mais velho disse que ia com eles, desde que não matassem sua família. Nos despedimos e nunca mais o vi.
Isso foi feito em toda a cidade. Também levaram o filho de meu vizinho, mas ele fugiu. Ele nos contou que foi forçado a matar algumas pessoas porque eram acusados de serem supostos “informantes do Exército”. Quando foi forçado a atacar um posto policial, ele conseguiu fugir no meio do tiroteio.
Alguns dias depois o chefe dos “guerrillas” foi até a casa de meu vizinho. Eles não encontraram o “desertor”, pois ele já tinha ido embora, assim, conduziram toda a família à praça central da cidade.
Então, os "guerrillas" foram de casa em casa e obrigaram toda a população a ir para a praça. Diante de toda a cidade, executaram o outro filho de meu vizinho. O líder então informou ao povo que isso era em represália pela fuga do rapaz e, se o “desertor” não voltasse, matariam um a um todos os membros de sua família. E assim fizeram. Depois que mataram todos, trouxeram uma família, a quem tinham prometido terra para ocupar as propriedades de meu vizinho, Depois disso, nenhum rapaz que eles levaram tentou fugir, com medo que eles assassinassem todos os seus entes queridos.
Algum tempo depois, apareceram novamente e me disseram que o camarada “Juancho” queria uma companhia feminina, pois estava muito solitário. Então levaram minha filha mais velha, que só tinha doze anos e ainda não tinha menstruado. Nunca mais a vimos novamente.
Eles assassinaram a minha outra filha. Isso aconteceu quando um grupo de soldados do Exército estava chegando, o que era muito difícil de acontecer. Os “guerrillas” disseram que os soldados estavam por perto, mas eles não iam entrar em luta na cidade. Ordenaram a todos para não dar nem vender comida aos soldados, sob pena de morte por “colaborar com o inimigo”. Dois dias depois os soldados chegaram e foram até o mercado, mas ninguém quis vender nada a eles. Parece que minha filha de 14 anos foi para a rua para olhar os soldados e riu para um deles. O soldado também sorriu para ela, mas continuou sua marcha. Dois dias depois,o chefe da “guerrilla” a prendeu e, depois de uma reunião, a executou por ela ter sorrido para o inimigo. A acusação foi cometer um ato de traição.
Outro filho meu também foi assassinado. Certo dia, os “guerrillas” nos reuniram na praça. Disseram que fizeram um acordo com algumas pessoas que viriam distribuir sementes e que nos pagariam bem se os ajudássemos a plantar e colher. Os “guerrillas” nos deixariam plantar sob a condição que pagássemos a eles 20% da nossa produção, para apoiar “a causa”.
Alguns dias depois, as pessoas referidas chegaram de helicóptero, nos deram as sementes e ofereceram um bom preço pela colheita. Descobrimos que eram sementes de coca, a planta com a qual fazem a cocaína. Eu disse a meu filho que não queria me envolver nisso, mas respondeu que não era tolo e não queria terminar seus dias levando uma vida miserável como a minha. E não me deu atenção. Na colheita, os homens voltaram, com a permissão dos “guerrillas”, compraram a coca e a levaram de helicóptero. Mais tarde construíram uma pista para seus aviões e depois um laboratório para refinar a coca, que era guardado dia e noite pelos “guerrillas”.
Um dia, a policia anti-drogas apareceu com aviões e helicópteros, destruíram o laboratório, bombardearam a pista e jogaram fora a cocaína. Houve resistência, mas todos foram apanhados de surpresa pois os helicópteros e aviões não foram detectados.
Depois, quando as pessoas chegaram para comprar a coca, discutiram com meu filho. Disseram que já tinham pago a ele a metade e ele devia devolver o dinheiro ou arranjar a mercadoria. Eles se recusaram a acreditar que a policia tinha destruído a coca e que meu filho a tinha vendido para outras pessoas e ele ia pagar caro por isso. Então o metralharam, e ele morreu
Com o passar do tempo, os traficantes começaram a lutar contra os “guerrillas”, pois eles não tinham sido capazes de proteger as plantações e o laboratório. Então os “guerrillas” construíram um laboratório e informaram que daqui para frente iam tocar o negócio sozinhos. Os traficantes, em represália, mataram alguns deputados que apoiavam as FARC da União Patriótica.
Porém, depois fizeram um acordo no qual davam 30% da produção do laboratório para os “guerrillas” e pediram para pagar parte dessa porcentagem em armas, granadas e munição. Os traficantes também se comprometeram a fornecer transporte para que os “guerrillas” pudessem, em outros países, receber treinamento especial e fazer acordos.
Os “guerrillas” então, para evitar que outra ação da polícia estragasse seu negócio, organizaram uma marcha até a capital do departamento para pedir o fim das fumigações das plantações. Todos os habitantes foram obrigados a participar, sob pena de morte ou então, pagando 3 milhões de pesos para a ajudar nas despesas da marcha.
Antes que nos dispersássemos, eles fizeram uma palestra onde informaram que em breve as Nações Unidas iriam dar aos “guerrillas” o controle sob uma grande parte do território nacional. Para isso, estavam fazendo um acordo coma Venezuela, para que ela reconheça a existência de um novo estado sob o controle da “guerrilla”; em troca eles iriam cessar os raptos e outras atividades guerrilheiras no território venezuelano.
Informaram que em breve estariam controlando o território de Urubá, pois é uma zona estratégica por sua proximidade com o oceano e fariam um acordo com Panamá e, indiretamente, com os Estados Unidos, que é o verdadeiro dono do Panamá.
Eles dizem que as coisas são mais difíceis na fronteira do Equador e do Brasil. Mas, a região que a ONU vai lhes dar possui petróleo, bananas, ouro, coca e carvão; e que, devido ao poder das FARC, as multinacionais do petróleo já estão pagando a eles uma ”taxa de guerra”.
Também planejam lançar, m breve, um ataque definitivo a Bogotá, partindo dos territórios que vão controlar; vão cercar a cidade e matar seus habitantes de fome, pois não vão permitir que a cidade seja abastecida de água, eletricidade, alimentos, e combustível.
Depois ocorreu um período de dois anos,mais ou menos, que o Exército controlou a cidade. Eles chegaram um dia e a tomaram. Houve luta e os “guerrillas” foram derrotados e se disfarçaram de fazendeiros. Após um certo tempo, o Exército ganhou a confiança da população. Eles instruíram a população a não ajudar os “guerrillas”, que isso não era bom e nós começamos a acreditar que o reino do terror havia terminado.
Então, os políticos da União Patriótica iniciaram um debate no Congresso, alegando que uma força paramilitar estava sendo criada e que o Governo devia obrigar o Exército a parar de formar grupos paramilitares. O escândalo foi tão grande que o tenente que comandava as tropas em nossa cidade foi processado em Bogotá por violar os direitos humanos! No processo, um dos “guerrillas” da cidade foi uma testemunha de acusação contra o tenente.
Então o governo decidiu nos abandonar. Aí nossa vida se tornou um inferno. Os “guerrillas” se vingaram da nossa colaboração com o Exército e espalharam minas em nossos campos, para que nós não mais pudéssemos plantar e passássemos fome. Uma dessas minas, chamada de “corta pé” matou um outro meu filho, com apenas 9 anos de idade. Também perdi um cavalo que era muito útil. Mesmo agora, de vez am quando, uma mina colocada anos atrás, explode, mesmo após a “guerrilla” ter tomado o controle da cidade de novo.
Estamos calados. Ninguém fala com ninguém, a gente mal se cumprimenta. Qualquer coisa que dissermos, pode nos causar complicações. A amizade acabou. A minha mulher chora toda noite lembrando dos seis filhos que nunca mais verá. Ela escondeu as imagens da Virgem e de Cristo e diante delas, reza.
E pensar que os “guerrillas” começaram aqui, conquistando o povo depois que assaltaram o Banco Agrário e atacaram o posto policial. Nesse dia, roubaram o dinheiro e queimaram os arquivos do banco. Todos nós ficamos felizes, pois eles tinham feito um bom trabalho, já que, agora, o banco não sabia mais que era devedor. Eles também disseram que iam defender os fazendeiros da cobiça dos latifundiários e defenderiam as diárias dos trabalhadores.
O governo jamais mandou os policiais de volta. Depois acossaram o padre da cidade. Eles queriam usar as batinas do padre e transportar armas em seu trailer. Ele se recusou a colaborar e teve que fugir. Os guerrillas diziam que o padre os atrapalhava pois, na cidade, as pessoas faziam tudo o que ele mandava. Por um tempo a igreja católica ficou fechada. Eles nos disseram que a religião é o ópio do povo e era melhor que o padre tivesse fugido. Esses caras não gostam de ver imagens de Cristo ou da Virgem, por isso as escondemos.
Porém, agora, desde que chegou um novo padre, que trabalha ligado a eles, estão tolerando um pouco as orações. Eu acho que esse cara não é padre, mas um “guerrilla” com batina preta. Seus sermões somente falam muito de revolução e pouco de Cristo e Deus, dizendo que agora a igreja segue a teologia da libertação.
Foi assim que perdemos nossos quatro filhos, Os outros dois, não sabemos se estão vivos ou mortos. Toda vez que perguntávamos aos “guerrillas” sobre eles, a resposta era: “Calma, coroas. Não se preocupem com eles, pois estão vivos e combatendo.” Só nos sobraram dois filhos, que terão uma vida dura pela frente, quando não mais pudermos trabalhar e tiverem que nos sustentar.
Parece que a produção de coca nesse ano está acabando. Depois que os chefes do cartel da Cáli foram presos, ninguém mais veio até aqui para comprar coca, o laboratório mantido pelos “guerrillas” está abandonado e o povo não está mais interessado em cultivar a coca.
Muitos estão pedindo permissão aos "guerrillas" para emigrar e as plantações de coca que a policia destruiu não foram replantadas. Os "guerrillas" estão muito preocupados com essa situação e parece que vão substituir a renda da cocaína por seqüestros. Mas, já faz muito tempo que não há um seqüestro por aqui.
Parece também que estão exportando a cocaína diretamente para os Estados Unidos através dos chefes das redes de distribuição”.
Para mais informações:
http://br.youtube.com/watch?v=l2FZ9cRdlzk&eurl
http://br.youtube.com/watch?v=TJqyW0q5SlY&feature=related
http://br.youtube.com/watch?v=wkblwFS_hDc&feature=related
http://movimentoordemvigilia.blogspot.com